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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

De como sem respeitar os índios, o Brasil não respeita a si mesmo


De como sem respeitar os índios, o Brasil não respeita a si mesmo
Bruno Walter Caporrino


Crédito da fotografia: Bruno Walter Caporrino
(Zeiss Ikon Contaflex, película Ilford Delta 100)

Diferença e cidadania
No Brasil há diversos povos e comunidades tradicionais. Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, ciganos e outras comunidades que possuem regimes de pensamento e de organização política muito diversos. Esses grupos são muito diferentes: não é possível dizer que os povos indígenas, por exemplo, sejam “diferentes dos outros brasileiros mas todos iguais entre si” e nem que “só são diferentes porque suas casas, vestimentas, línguas e cultura material são diferentes dos demais brasileiros”. Atualmente há cerca de 252  grupos indígenas no Brasil, falantes de praticamente 250 línguas. Esses grupos não são apenas diferentes dos não-índios por falarem línguas e usarem vestimentas diferentes, como dito: detentores de sistemas de pensamento e  visões de mundo particulares, são muito diferentes, também, em seus modos de se organizar politicamente, e é neste ponto que precisamos nos ater a fim de compreender como esta diferença é fundamental para a igualdade e, portanto, para toda a sociedade, e não somente para os diferentes.
Durante muito tempo, o Estado tratou esses povos e comunidades como tipos de pessoas que deveriam ser “civilizados”, ou seja, como grupos que deveriam ter seus costumes e sistemas sociais modificados para ficarem “iguais à maioria dos não-índios”. Mais do que isso: desde o início do processo de colonização, estes povos foram tratados como grupos de pessoas sem alma, sem Razão, inumanos, a quem se poderia escravizar. É bastante conhecido o debate travado entre os jesuítas a respeito de sua humanidade: seriam eles humanos? Entendidos ora como animais, ora como sobreviventes de um estado natural semelhante ao Éden, sempre foram associados à natureza, entendida como oposta à cultura e, portanto, à humanidade.
Essa polaridade natureza/cultura é acionada até hoje, infelizmente, quando as pessoas pensam sobre estes povos: para o bem ou para o mal são sempre associados ao “estado de natureza” que a mitologia ocidental coloca como anterior ao surgimento da “civilização” e mesmo do Estado, como vemos nos debates entre contratualistas como Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau.
O fato é que essa absoluta incompreensão a respeito destes povos perdurou por toda a história do Brasil e, infelizmente, nos dias atuais se fortifica: índios seriam associados ao polo natureza da cisão natureza versus cultura e até bem pouco tempo eram considerados inimputáveis pela legislação brasileira: associados à crianças e, portanto, tomados como incapazes de decidir seu futuro e sua condição por si mesmos, foram tomados pelo Estado como inimputáveis assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente considera as crianças: incapazes, não podem decidir por si mesmos sem a intervenção dos não índios. Tutelados pela legislação até 1988, os povos indígenas foram libertos desse paradigma somente neste ano, quando, em 05 de outubro, foi promulgada a atual Constituição Federal (Souza Filho, 2009).
Todavia, ainda há muitos resquícios desse paradigma nas relações propostas pelos não índios: a Lei 6.001/1973, que os toma como tuteláveis ainda os considera incapazes de participar não apenas da vida política da nação mas, também, de suas próprias vidas. O Estatuto do Índio, como é conhecida esta lei, entrou em completa discrepância com a Constituição Federal mas, infelizmente, muito pouco avançamos no sentido de fazer uma nova legislação específica que constitua marco legal para a lide do Estado e, portanto, de todos os brasileiros, com eles. Para que se tenha uma ideia, um dos projetos de lei que visava rever o Estatuto do Índio e adequá-lo ao novo ordenamento jurídico brasileiro foi dolosamente minado e barrado ao mesmo tempo que desta discussão saiu-se com um tenebroso projeto de lei, o PL 1.610/1996, que visa regulamentar a exploração de minérios em terras indígenas.
Como veremos, os povos indígenas não são mais considerados ininputáveis, incapazes e, portanto, tuteláveis pelo ordenamento jurídico brasileiro que é muito avançado no que se refere à promoção de direitos de primeira geração aos povos indígenas mas, por outro lado, as modalidades de relacionamento dos não índios com esses povos ainda se baseiam nesse mesmo arcabouço simbólico: “índios e ancestralidade”, “índios e natureza” são os mais leves dos equívocos que contumazmente se comete quando se pensa em povos indígenas ao passo em que “índios = natureza e, portanto, sem cultura” ou “índios = natureza e, portanto, análogos a animais, bichos, primitivos” ainda perduram. Para que não se duvide da força desses axiomas, basta que se estabeleça conversações com os cidadãos para que se o perceba.
Mas, do ponto de vista legal, ao longo da história essa visão foi mudando e os povos e comunidades tradicionais passaram a ser reconhecidos pelo Estado como cidadãos brasileiros – mudando, também, a própria visão de cidadão e cidadania que o Estado adota.
Assim, acompanhando um movimento que ocorreu em vários países da América Latina durante a década de 1980, o Brasil promulgou, em 1988, a Constituição Federal atualmente vigente. Ela é considerada a “Constituição cidadã” por assegurar à população brasileira o direito à participação ativa na vida política do país, de maneira democrática, e, por isso, com respeito à diversidade sociocultural tão vasta de que é composta a sociedade brasileira. Cidadania, ou seja, a participação engajada e qualificada, representativa e pró-ativa dos cidadãos nas tomadas de decisão do Estado, como veremos, é o pilar fundamental do Estado democrático de direito programado pela Constituição.
Nessa Constituição são assegurados direitos essenciais a todos os cidadãos brasileiros de uma maneira inédita na história do país. Ela garante, em seus primeiros cinco artigos, direitos e garantias fundamentais muito próximos aos direitos humanos respaldados por convenções internacionais até então sistematicamente desrespeitados pelo Estado brasileiro. Um desses direitos, o direito à autodeterminação dos povos, aparece em seu Artigo 4˚, Inciso III. O direito à autodeterminação – nesse artigo ainda atrelado às relações internacionais do Brasil – consiste, em linhas gerais, no direito que todos os povos têm de usufruir de seus próprios costumes, línguas, crenças, tradições, e sistemas políticos, ou seja, de seus próprios jeitos de se organizar e tomar decisões.
É importante lembrar que esse direito vai ainda mais além, pois a autodeterminação consiste no direito que um grupo, comunidade, ou povo tem ao autogoverno: o direito de dizer por si mesmo como se organizam politicamente, segundo seus próprios regimes de relações, para a tomada de decisões soberanas sem que outros povos ou grupos interfiram nesse processo de decisão. O direito à autodeterminação associa-se, no seio de um Estado democrático de direito, ao direito de autogoverno: José Murilo de Carvalho (Murilo de Carvalho, 2002) define-o como aquele direito assegurado pela cidadania, pela participação, e que está para muito além da mera participação pontual e passiva nos pleitos eleitorais como eleitores. Basicamente, um sistema democrático, quando olhamos para um país, é um sistema de autogoverno: um sistema onde um povo se governa a si mesmo de acordo com seus próprios regimes de relações e vontades, sem interferência externa.
Esses direitos basilares, que são o pilar do Estado democrático de direito e pedra fundamental da Constituição de 1988 encontram eco em praticamente todos os outros artigos da Constituição, como, por exemplo, o Artigo 231, que assegura direitos específicos aos povos indígenas, e onde lemos: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Com a promulgação dessa Constituição, foi a primeira vez na história do Brasil que o Estado reconheceu legal e, portanto, oficialmente aos povos indígenas no Brasil o direito a serem como são, viverem da maneira como vivem, segundo seus próprios sistemas de conhecimentos e relações. Mais do que isso, a Constituição ainda assegura o direito à terra por eles tradicionalmente ocupada. Essa conquista do movimento das populações tradicionais é um grande presente para a nação brasileira, e não somente para esses grupos, como se poderia pensar.
Pois não é correto pensar que a Constituição e, portanto, nosso ordenamento jurídico, estendem aos povos indígenas “direitos especiais” ou “privilégios”. Ao abordar esse assunto espero mostrar como o respeito à diversidade, à pluralidade, à diferença é um princípio fundamental de qualquer democracia, e de como esse princípio – que se estende à todos os grupos de cidadãos brasileiros, tão variados e diferentes – beneficia ao país inteiro: de sua variegada e diversificada população à suas próprias instituições políticas e estatais.
Autodeterminação, autogoverno e, portanto, participação cidadã
Como a Constituição de 1988 resguarda os direitos civis, políticos e sociais dos brasileiros e dos povos (povos, em geral, e não somente indígenas) à sua autodeterminação, e, em seu Artigo 231 assegura aos povos indígenas, especificamente, o direito ao exercício pleno de seus regimes de conhecimentos, línguas, costumes, crenças e, portanto, organização social, o Brasil ratificou, em 2004 (Decreto Presidencial 5.061/2004), a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Membro da Organização, o Estado brasileiro demorou, contudo, mais de 13 anos para assiná-la, pois foi lançada pela OIT em 1989 na esteira do processo de mudança na visão dos Estados Nação com relação aos povos e comunidades tradicionais (Verdum, 2009).
O Brasil assinou a Convenção porque segundo o que dispõe a Constituição nos princípios e objetivos fundamentais da nação brasileira (estabelecidos em seus cinco primeiros artigos ou seja, em suas cláusulas pétreas, aquelas que não se pode mudar de maneira alguma), o direito à autodeterminação é uma das condições essenciais para a realização do projeto de país nela inscrito, projeto esse calcado no respeito à diversidade e na democracia – princípios inseparáveis, diga-se de passagem. Essas garantias, associadas a todos os outros direitos salvaguardados pela Constituição, especificamente aqueles que constam no referido Artigo 231, permitiram a ratificação da Convenção, que assegura (logo em seu Artigo 1º) aos povos e comunidades tradicionais, o direito à autoidentificação enquanto povos indígenas e tribais.
Em linhas gerais, a Convenção 169 e a Constituição Federal asseguram aos povos indígenas e tribais o direito à sua existência da maneira como são, livremente e, mais do que isso, o direito a serem cidadãos livres e plenos sem que, para que usufruam de seus direitos de cidadãos-membro de uma comunidade nacional, tenham que abandonar seus regimes de conhecimentos e políticos. Por isso, a Convenção garante que o Estado não pode decidir quem é e quem não é indígena ou tradicional, o que reforça o princípio constitucional da autodeterminação. Esse princípio é, mais tarde, respaldado pela Declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) Sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, também endossada pelo Brasil. A Declaração constrói uma ponte entre o que propõem a Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169 da OIT, ao assegurar, em seus Artigos 3º e 4º:
Artigo 3º
Os povos indígenas têm direito à livre determinação. Em virtude desse direito, determinam livremente a sua condição política e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
Artigo 4º
Os povos indígenas no exercício do seu direito a livre determinação, têm direito à autonomia ou ao auto-governo nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais, assim como os meios para financiar suas funções autônomas.
Ao ratificar a Convenção 169 da OIT, o Estado brasileiro assegura que, para que possam exercer seus direitos políticos, participando plenamente da vida política democrática e, portanto, exerçam sua cidadania, os povos em questão não poderão ser obrigados a mudar seus jeitos de se organizar e tomar decisões. Mais do que isso, a Convenção 169 garante que os Estados que a assinarem serão obrigados a consultar esses povos de maneira prévia, livre, e informada, antes de realizar qualquer projeto ou medida legislativa que possa afetá-los. O objetivo do direito à consulta prévia, livre, e informada, é garantir duas coisas:
a) que os sistemas políticos dos povos indígenas e tribais sejam respeitados pelo Estado, de modo que eles não sejam obrigados a mudar sua organização social e política, ou seja, seus jeitos de tomar decisões políticas, para que possam participar da vida política democrática do país. Na prática, isso significa que o Estado não pode, por exemplo, escolher quem é o “cacique” de um povo ou escolher dialogar e negociar com um chefe ou liderança que ele escolher: significa que, se um grupo indígena não tem chefes ou caciques, que suas decisões são tomadas de outra maneira, consultando os espíritos por exemplo, o Estado tem que respeitar e, mais do que isso, obedecer a essa determinação do próprio grupo;
b) que, ao fazer isso, os Estados que assinam a Convenção garantam não apenas direitos aos povos em questão, mas se comprometam a realizar na prática, e de maneira integral, os princípios da democracia participativa, ao estender a todos os cidadãos do país o direito à participação política no sistema democrático de tomada de decisões sem que, para isso, tenham de mudar suas estruturas sociais –  o que seria por si só anti-democrático, uma vez que uma democracia deve se calcar no respeito às pessoas e grupos da maneira como são, em sua plenitude e diversidade. Em outras palavras: garantir que a diferença seja respeitada ao assegurar que as populações social e politicamente diferentes tenham pleno direito a ser como são sem que precisem abdicar dessa diferença para participar da tomada de decisões, ou seja, exercer sua cidadania.
Um programa de País
Como vimos, o grande objetivo da Constituição de 1988 é garantir que o Brasil seja um país democrático. Para que um país seja democrático, é fundamental que seu povo participe ativamente das decisões tomadas pelo Estado. Por conta disso, lemos logo no primeiro artigo do diploma constitucional, parágrafo único, que “todo poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos”.
Uma digressão se faz, aqui, pertinente para que se compreenda o peso desses direitos. A Constituição Federal de 1988 organiza-se com base no modelo da pirâmide de Kelsen: em linhas gerais, os 5 primeiros artigos, que são as cláusulas pétreas, ou seja, de pedra, são a base de todos os demais. Como em uma pirâmide, eles estão na base e, ao mesmo tempo, podemos enxergá-los como o vértice de um triângulo pois todos os demais artigos da Constituição respeitam e refletem o que está garantido e proposto nestes cinco primeiros artigos. Assim, todos os artigos da Constituição são um detalhamento de como fazer com que os princípios e objetivos fundamentais do Brasil (inscritos nestes 5 primeiros artigos) devem ser realizados, efetivados e, da mesma maneira, toda a legislação que está abaixo da Constituição, e cuja função e detalhar como realizar na prática cada artigo dela, devem respeitar a estes artigos.
É importante salientar que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, OIT, ao ser ratificada pelo Brasil, passa a ser incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro e, ainda mais, de uma maneira muito especial: ela encontra-se praticamente ao lado da Constituição Federal, tendo peso de Constituição e situa-se, portanto, acima das leis ordinárias do país que, como mencionado, devem submeter-se à Constituição. A Convenção 169 da OIT é, portanto, lei brasileira análoga, em peso e valor, à constituição e tem status supra-legal: estando acima de todas as leis ordinárias, estas devem obedecê-la e, hierarquicamente superior, deve-se fazer com que elementos destas leis ordinárias que estejam em desacordo com a OIT 169 sejam reformados a fim de coadunar-se à ela.
Igualdade e diferença: isonomia como chave para uma sociedade plural e igualitária
Para que uma democracia funcione em sua plenitude é fundamental que esta participação popular nas tomadas de decisão seja qualificada e plural. A pluralidade é condição sine qua non para uma democracia pois, se apenas um segmento da sociedade se fizer ouvir, aos demais segmentos não serão ofertados direitos de maneira plena: entra em cena o princípio da isonomia.
Portanto, para que isso ocorra, é fundamental que todos os cidadãos sejam considerados iguais perante a lei e, ao mesmo tempo, que as leis respeitem a diversidade sociocultural dos indivíduos e comunidades de cidadãos. Mas, muito provavelmente está o leitor a perguntar-se: como promover a igualdade entre cidadãos tão diferentes? É central o princípio da isonomia.
A Constituição Federal já assegura em seus primeiros artigos as bases irrefutáveis para isso. No caput do Artigo 5º, lemos que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, princípio assegurado por 68 incisos deste artigo, dos quais depreende-se sobretudo que, para que a participação cidadã seja plena é necessário assegurar o pluralismo inerente à sociedade e que, para que esses diferentes tenham acesso aos mesmos direitos, o princípio da isonomia deve prevalecer (Barroso, 1990;2000). Basicamente, a ideia de isonomia consiste em ofertar condições diferentes para que os diferentes possam ser iguais em direitos: diferentes em condições (culturais, linguísticas, econômicas, territoriais) têm direito a condições diferenciadas a fim de igualar-se aos demais em direitos.
É fundamental esclarecer que o princípio da isonomia não consiste em direito de segunda geração, direitos secundários, mas sim em pedra de toque basilar do programa de país inscrito nos 5 artigos mais importantes da lei mais importante do país. Não se trata também de ofertar de maneira discriminatória condições especiais a guisa de “esmola”, pois estamos falando sobre direitos e garantias fundamentais. Um bom exemplo de como opera o princípio da isonomia é o das leis que obrigam que os estabelecimentos ofertem serviços diferenciados a idosos, gestantes, portadores de necessidades especiais que, assim, têm direito a passar na frente dos demais usuários na fila de espera. Isso se deve ao fato de que essas pessoas têm condições diferenciadas, necessidades especiais: idosos, que muito contribuíram com a sociedade brasileira, têm mais dificuldades em suportar as filas em pé; pessoas com deficiência visual, que também muito contribuem com nossa sociedade, têm mais dificuldades em permanecer sozinhos na fila, assim como gestantes e, por isso, é fundamental que eles passem na frente dos demais cidadãos: oferecer aos diferentes condições diferenciadas para que acessem direitos de maneira igual aos demais cidadãos, eis a melhor definição de isonomia.
É importante pontuar também que, quando se fala em direitos, devemos obrigatoriamente sair da lógica dos privilégios que permeia, infelizmente, cada desvão das relações brasileiras devido ao nosso passado, como apontam Jessé Souza (2003) e Murilo de Carvalho (2018). Não se trata de ofertar aos idosos, gestantes e portadores de necessidades especiais privilégios, mas sim de igualá-los perante os direitos sem ferir suas diferenças, estender a eles condições diferenciadas para que, com isso, se oferte a eles acesso igual aos demais em direitos. Trata-se de evitar, justamente, os privilégios, pois cidadãos sem necessidades especiais têm o privilégio de sofrer menos nas filas, para atermo-nos ao exemplo.
Consulta prévia, livre, informada, e de boa-fé: condição sine qua non para a democracia
Retomando, então, vemos que o direito à autodeterminação consiste, em linhas gerais, no direito que todos os povos têm de usufruir de seus próprios costumes, línguas, crenças, tradições, e sistemas políticos, ou seja, de seus próprios jeitos de se organizar e tomar decisões e isso implica no reordenamento das modalidades de atuação do Estado, que não se encontra especificamente disciplinada pela legislação justamente porque competirá aos povos interessados pautar isso (Lasmar, 2016), lançando mão, de maneira organizada e coletiva (preferencialmente) da isonomia e do autogoverno.
Como vimos, o direito ao autogoverno e o princípio da isonomia refletem-se em todos os outros artigos da Constituição, que espelha-se na concepção da pirâmide de Kelsen (Kelsen, 1987) e é possível afirmar que o princípio da isonomia emana de cada um destes pontos principais da principal lei do país.
Não é correto pensar que a Constituição e, portanto, todo o ordenamento jurídico infra-constitucional, estendem aos povos indígenas “direitos especiais” ou “privilégios”. Ao abordar esse assunto espero mostrar como o respeito à diversidade e o correlato princípio da isonomia (Pontes de Miranda, 1979) são princípios fundamentais de qualquer democracia, e de como esses princípios – que se estendem à todos os grupos de cidadãos brasileiros, tão variados e diferentes – beneficiam toda a sociedade: de sua variegada e diversificada população à suas próprias instituições políticas e estatais (Bonavides, 1996; 1999). Abaixo, elaboro um esquema para a melhor compreensão da hierarquia destes princípios, objetivos e direitos:

Resumidamente, então, se por isonomia devemos entender que se todos são iguais perante a lei, todos devem ter acesso aos mesmos direitos, e a democracia exige o respeito à diversidade e à pluralidade, então tais diversidade e pluralidade devem ser protegidas e promovidas. Contudo, como ofertar direitos iguais à segmentos diferentes da população sem agredir essas diferenças? Como oferecer acesso igual às políticas públicas sem que isso force os segmentos cultural e politicamente diferenciados da sociedade sejam forçados a abandonar os traços distintivos de sua diferença? Em outras palavras, como ofertar aos povos indígenas o direito à educação escolar sem, com isso, obriga-los a abandonar seus regimes de conhecimentos e de relações?
A isonomia, como vimos, visa assegurar que aos diferentes sejam ofertadas condições diferenciadas a fim de que posam, a partir de sua diferença e à seu próprio modo portanto, acessar os mesmos direitos que os demais segmentos da sociedade ao assegurar que condições diferenciadas sejam criadas para que segmentos diferenciados fortaleçam sua diferença e, por essa via, a da diferença, sejam iguais em direitos. Longe de anular a diferença, é fundamental valorizá-la e, para valorizá-la, é fundamental igualar os segmentos da sociedade em direitos, mas não limar suas propriedades sociológicas, o que equivaleria a aniquilá-los.
A essa pergunta, tão antiga (como assegurar aos diferentes direitos iguais sem que, para acessá-los, tenham que abrir mão de sua diferença?) a Constituição, a Convenção 169 e a Declaração da ONU oferecem uma mesma resposta: respeitando justamente seu direito a serem diferentes e incluindo-os nos processos decisórios sem afetar o que os faz diferentes, ou seja, suas maneiras de se organizar socialmente. É participação cidadã diferenciada a camada protetiva básica não apenas dos diferentes e da diferenças mas, por isso mesmo, de todo o Estado democrático de direito.
Dessa pergunta decorre outra: como garantir que um país seja universalmente democrático, ou seja, que os cidadãos participem das tomadas de decisão que influenciarão a vida de todos, se há tantos grupos diversos? Para essa pergunta, esse arcabouço jurídico oferece a mesma resposta: assegurando que o direito à sua diferença seja paralelo ao direito à autodeterminação, à autoidentificação, e, portanto, ao autogoverno (uma vez que, se o Estado tomasse para si a tarefa de decidir quem é e quem não é indígena, quem decide ou não por um grupo indígena em especial), agrediria sua organização sociopolítica, e ao fazer isso estaria anulando justamente essa diferença cuja preservação é fundamental para a própria democracia.
Assim, a Convenção 169 da OIT, especificamente, determina que os povos indígenas e tribais devem ser consultados pelo Estado antes que ele proponha ou realize qualquer medida legislativa ou projeto que possa afetar-lhes, e ainda garante que somente esses povos poderão dizer, por si mesmos, e de maneira livre, como e em que grau essas medidas os afetariam.
A fim de promover a participação cidadã desses grupos sem anular sua diferença e, ao mesmo tempo, respeitar seus sistemas políticos, a Convenção determina, em seu Artigo 6º:
ARTIGO 6º
1. Na aplicação das disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) criar meios pelos quais esses povos possam participar livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem;
c) estabelecer meios adequados para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas próprias desses povos e, quando necessário, disponibilizar os recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas em conformidade com o previsto na presente Convenção deverão ser conduzidas de boa-fé e de uma maneira adequada às circunstâncias, no sentido de que um acordo ou consentimento em torno das medidas propostas possa ser alcançado.

Vemos, assim, que ao assinar a Convenção 169 da OIT e endossar a Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, o Estado brasileiro se obriga a garantir aos povos indígenas o direito a serem povos indígenas ao salvaguardar todas as condições para a manutenção de seus modos de vida, de seus sistemas de pensamento e de organização social e política: seu autogoverno e, portanto, sua identidade e diferença. Mais do que proibir os Estados que assinaram a Convenção de afetar os sistemas políticos desses, ela os obriga a tomar iniciativas de maneira ativa no sentido de fortalecer sua organização social. Segundo a referida Declaração da ONU:
Artigo 5º
Os povos indígenas têm direito a conservar e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo por sua vez, seus direitos em participar plenamente, se o desejam, na vida política, econômica, social e cultural do Estado.

Para que isso ocorra com respeito ao princípio da participação cidadã num processo democrático, e com o respeito pleno à diferença sociopolítica desses povos, a Convenção proíbe o Estado de decidir, sozinho, como esses grupos se organizarão para tomar decisões: somente o próprio povo indígena é que pode dizer como se organiza, quem toma as decisões, como as decisões são tomadas, e quem os representa. Isso é assegurado pela Convenção 169 da OIT de maneira muito clara.
Ela proíbe que o Estado diga quem pode e quem não pode tomar decisões em nome de um determinado povo indígena, por exemplo e, mais especificamente, proíbe o Estado de dizer que uma reunião com apenas alguns membros de um povo indígena seja considerada como um processo de consulta. Esses dispositivos anulam, portanto, decisões consideradas pelos próprios povos indígenas como decisões ilegítimas segundo seus próprios jeitos de se organizar politicamente e tomar decisões, invalidando assim alguns consentimentos indígenas que o Estado se habituou a construir historicamente, e que sempre foram os maiores empecilhos à manutenção desses grupos.
Surge, então, outra pergunta: como o Estado pode saber se uma consulta prévia, livre e informada está sendo realizada com respeito pleno aos regimes políticos e de conhecimentos de um povo? A resposta está nos Protocolos de Consulta e Consentimento.
Protocolos de Consulta e Consentimento são instrumentos que podem ser desenvolvidos pelos próprios povos indígenas e tradicionais para sistematizar suas próprias decisões a respeito dos modos como desejam se organizar e tomar decisões para o Estado quando este realizar a consulta prévia, livre, informada e de boa-fé a que têm direito os povos indígenas e tradicionais. Tal direito é consagrado pela Convenção 169 da Organização do Trabalho, OIT, promulgada em 1989 e ratificada pelo Brasil.
Os protocolos de consulta não são formalmente previstos no texto da Convenção, mas reiteram princípios e fundamentos do Estado democrático e direito amparados pelo programa constitucional mas, como no Artigo 1º da Constituição Federal de 1988 lemos, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos”, inaugurando uma democracia participativa inédita na história do país (Verdum, et. al. 2009) e como, a fim de assegurar a efetividade desse sistema, os 5 primeiros artigos do diploma constitucional, apresentam princípios e fundamentos desse Estado democrático de direito (Duprat, 2015) e os Protocolos próprios consistem em sistematizações feitas pelos próprios grupos dos critérios e parâmetros cominados por sua própria organização social para que a consulta prévia seja realizada.
Como vimos, uma decorrência concreta desse direito assegurado pela OIT 169 é o direito à consulta prévia, livre, e informada.  Segundo a Convenção o Estado brasileiro fica obrigado a consultar os povos indígenas antes de realizar um projeto ou propor uma lei que os afete: esse instrumento visa assegurar a participação dos povos indígenas na vida política, ou seja, sua cidadania e, assim, salvaguardar a democracia. Essa consulta tem que ocorrer de maneira prévia (antes da coisa se realizar), livre e informada.
Olhemos com mais vagar para cada um desses critérios que a Convenção estipula para a qualificação da participação indígena diferenciada na vida política do país. Por uma consulta livre, a Convenção entende que o Estado não pode pressionar os grupos a dar respostas quando do processo de consulta. E por informada, a Convenção assegura que o Estado signatário fica obrigado a informar os grupos consultados de maneira plena, expondo detalhadamente os prós e contras do projeto ou lei, sem omitir nenhuma informação. Além disso, a Convenção reza que a consulta deve ser conduzida com boa-fé por parte do Estado, de maneira que os grupos consultados não sejam coagidos a dar seu consentimento mediante pressão, ameaça, ou chantagem, por exemplo.
Critérios e instrumentos para que um processo de consulta seja legítimo
Já que objetivo do direito à consulta prévia, livre, e informada, é assegurar a participação cidadã dos povos indígenas sem ferir seus outros direitos, tais como o essencial direito ao autogoverno, e isso só é possível ao garantir que essa participação seja diferenciada mas não menos válida ou legítima que a dos demais cidadãos, é importante questionarmos quais são os critérios de procedimentos necessários para assegurar a legitimidade dos processos de consulta realizados pelo Estado. Como o Estado, esse ente estatístico que, para realizar o projeto democrático deve estender direitos universais, lidaria com a diversidade e a peculiaridade? Como o Estado poderia saber quem decide por quem entre cada grupo indígena?
A Convenção 169 da OIT, tanto quando a Declaração da ONU, deixam bem claro que, em atenção aos princípios da livre determinação e do autogoverno, somente os povos indígenas poderão definir as modalidades por meio das quais devem ser consultados. Afinal de contas, se o objetivo é respeitar suas estruturas políticas e jeitos de tomar decisões, não faria o menor sentido se o Estado estipulasse quais os meios pelos quais deve ser feita a consulta, quem deve ser consultado, de que maneira um processo de consulta deve ser conduzido, etc. Longe de ser um problema, analisando a questão de maneira mais pragmática, temos clareza de que, do ponto de vista do próprio Estado, diante dessa difícil tarefa, o melhor seria deixar os índios decidirem por si mesmos quais os procedimentos adequados segundo seus próprios sistemas políticos, eximindo o Estado de ter que “pensar por eles”, o que seria inviável.
Desse modo, a partir do que dispõe a Convenção 169 da OIT, é consenso que o melhor meio para isso consiste em permitir que os próprios povos indígenas reflitam sobre seus sistemas sociopolíticos, conheçam os direitos aqui mencionados e sua finalidade e decidam, por si mesmos, quais os critérios, condições e etapas devem ser adotados para que um processo de consulta e, portanto, o consentimento (ou não) dele decorrente sejam legítimos. Um instrumento importante nesse sentido é o protocolo de consulta.
Um protocolo é um conjunto de critérios e normas estabelecidos e que se usa para tornar algo válido. Protocolos de consulta são documentos gerados pelos próprios povos indígenas nos quais eles apresentam como são seus sistemas sociopolíticos e seus consensos a respeito de como o Estado deve consultá-los a respeito de medidas legislativas e administrativas. Como os povos indígenas são muito diversos entre si, sobretudo politicamente, o único meio para promover seu direito ao autogoverno em sua plenitude e, consequentemente, sua participação no processo democrático de maneira diferenciada, é fazer processos de consulta prévios, livres, e informados, de acordo com as regras e procedimentos estabelecidos pelos próprios povos em questão.
Nesse sentido, os Wajãpi do Amapari, do estado do Amapá, foram os primeiros a concretizar um Protocolo de Consulta, intitulado Wajãpi kõ omõsãtamy wayvu oposikoa romõ ma´ë – Protocolo de Consulta e Consentimento Wajãpi. Apresentando aos não-índios sua organização sociopolítica os Wajãpi estabelecem, no protocolo, todos os critérios, procedimentos e etapas, detalhada e minuciosamente, para a realização de um processo de consulta por parte do Estado. Esse pioneiro protocolo norteará o primeiro processo formal de consulta de acordo com um protocolo, relativo à regularização fundiária da Floresta Estadual do Amapá e do Projeto de Assentamento Perimetral Norte, vizinhos à Terra Indígena Wajãpi.
Outro grupo que já desenvolveu um protocolo de consulta habita o Pará: os Munduruku definiram, por si mesmos, quais são os critérios compatíveis com sua organização social para que um processo de consulta seja legítimo e assegure que seu sistema sociopolítico e seu autogoverno sejam respeitados nos processos de consulta.
No caso dos grupos onde (havendo ou não protocolos formalizados em documentos) os critérios para a consulta prévia estão claros, todo e qualquer meio empregado pelo Estado para obter seu consentimento pode vir a ser questionado. Ao construir seus protocolos próprios, os povos indígenas no Brasil dão uma verdadeira lição de cidadania a toda a sociedade nacional, uma vez que se apropriam consciente e coletivamente de direitos, refletem sobre si mesmos, organizam-se ativamente em torno de sua participação na vida política, pública, do país e se adiantam, saem à frente ao apresentar ao Estado os métodos que deverá seguir para realizar seus próprios objetivos sem ir de encontro com suas próprias determinações – que são as leis. Não seria exatamente essa a melhor definição de cidadania? Assim, é possível dizer que os povos indígenas no Brasil realizam os princípios da democracia e da cidadania de uma maneira muito consciente, participando pró-ativamente da vida política e se adiantando em relação às políticas públicas ao apresentar seus consensos quanto seus rumos a serem adotados pelo Estado na realização das políticas públicas.
O Protocolo de Consulta Wajãpi é muito ilustrativo do quanto um conjunto sério de regras e critérios como esse não é fácil de se construir: produto de praticamente 30 anos de reflexão e experiência na relação com o Estado por meio do Conselho das Aldeias Wajãpi Apina, o Protocolo sistematiza consensos e aprendizados há muito consolidados.
É forçoso dizer que não dispor de um protocolo, contudo, não pode ser considerado pelo Estado uma desculpa para não promover a consulta prévia, livre e informada e, assim, não respeitar os direitos que ela ampara. Primeiramente porque em hipótese alguma o Estado poderia dar uma desculpa para não realizar a democracia, ferir o direito à autodeterminação e ao autogoverno e agir contra o principio da isonomia.
Outro ponto a ser considerado, além disso, é que a consulta e, portanto, a participação cidadã, não podem ficar restritas a processos formais de consulta prévia nos termos de ações civis públicas do MPF por exemplo: deve ser uma rotina constante por parte do Estado e deve ser, em todo e cada momento, norteada pelo respeito estrito aos direitos e princípios aqui brevemente enunciados e, sobretudo, em respeito ao que os próprios povos indígenas dizem a respeito da maneira como se organizam para serem consultados. Para isso, existem instâncias de governança já bastante ocupadas pelos povos indígenas de maneira pró-ativa e organizada, como conselhos consultivos de áreas protegidas, conselhos locais e regionais de saúde e educação, etc[1].
Tudo aquilo que todo e qualquer cidadão deve fazer para realizar a democracia: pautar, minutar, de maneira organizada e com base em consensos comunitários e locais, as políticas públicas – os povos indígenas fazem, apesar de sua diferença, da opressão que sofreram por parte do Estado, e do fato desse sistema de organização sociopolítica ser muito diverso do deles. Bonito para eles. Feio para nós, que nada ou muito pouco fazemos nesse sentido enquanto cidadãos, enquanto se instaura, na sociedade brasileira, uma crise que não é, na verdade, centrada nas instituições: essa crise deriva de nossa absoluta ausência de cultura política, de formação e participação para a cidadania.
Retornando à questão central, vimos que, para que uma democracia funcione plenamente, é um princípio que os cidadãos participem ativa e organizadamente da tomada de decisões. Em outras palavras, para que um país seja efetivamente democrático, é fundamental que garanta a participação de seus cidadãos, consultando-os a respeito dos rumos do país – rumos esses de cuja condução se encarrega o Estado. Quando isso ocorre, dizemos que há cidadania, esteio fundamental da democracia. No caso dos povos indígenas, devido à suas diversas maneiras de se organizar politicamente e tomar decisões, isso exige o respeito aos princípios da livre determinação,  autogoverno ou autodeterminação e, na sua relação com o Estado, o respeito a seu direito à consulta prévia, livre, informada e de boa-fé sendo, ademais, dever do Estado ofertar condições diferenciadas para que estes diferentes não precisem igualar-se (“perder sua cultura”, deixar de ser como são) para que participem enquanto cidadãos da vida política do país e decidam, por si mesmos, à sua maneira, o que é melhor para eles.
Cidadania, participação, e diversidade
Vimos que os povos indígenas no Brasil, especificamente, são muito diversos dos não-índios e, assim também, muito diferentes entre si, e que o que diferencia não são apenas suas línguas e seus trajes e pinturas corporais: seus jeitos de tomar decisões, seus sistemas de parentesco e políticos são muito ricos e variados. Para que o Brasil seja um país efetivamente e, portanto, universalmente democrático, é fundamental que essas diferenças sejam respeitadas e fortalecidas, de modo que o processo de consulta prévia, livre e informada, que assegura a participação democrática dos povos indígenas na gestão do país respeite seus sistemas de tomada de decisões políticas. Essa é uma condição essencial não apenas para a manutenção dos povos indígenas em si: é requisito mínimo para que consideremos o Brasil um país verdadeiramente democrático e cidadão.
Ao realizar o que dispõem a Constituição, a Declaração e a Convenção, o Estado brasileiro estaria fazendo um bem não apenas aos povos indígenas: estaria fazendo um bem a todos os cidadãos brasileiros, que merecem viver em um país democrático, cidadão, e plural, onde as diferenças sejam respeitadas. Oxalá isso comece a ocorrer, pois embora haja um arcabouço jurídico poderoso nesse sentido, o Estado parece ser, quando o olhamos à luz dos processos de cidadania movidos pelos índios, seu maior inimigo por sua tendência a anular, e da maneira mais negativa possível, sua diferença, aniquilando-os.
Bruno Walter Caporrino
Publicado originalmente em agosto de 2017
Na coluna Filosofias Selvagens
Portal Heráclito



Referências bibliográficas
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VERDUM, Ricardo (org). Povos indígenas: constituições e reformas políticas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2009.





[1] Sobre a participação cidadã indígena organizada, diferenciada e calcada em consensos comunitários locais como realização dos princípios da cidadania e da consulta prévia, livre e informada de maneira diária e orgânica, ouso recomendar outro texto de minha autoria também publicado nessa coluna:

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